Editorial da Folha de São Paulo de hoje (30).
Errar é humano, bem se
sabe. O que o senso comum em geral ignora é que errar, além de humano,
pode também ser científico. Persiste, para muitas pessoas, a imagem da
ciência como um método infalível para atingir verdades definitivas -
derivando daí a ideia de que a crença na ciência pode ser da mesma ordem
da que embasa um dogma religioso. Ao contrário, é característico de
toda conclusão científica o seu caráter provisório; novas evidências se
agregam, cotidianamente, ao corpo dos conhecimentos estabelecidos, de
modo a comprová-los, negá-los ou corrigi-los.
Seja como for, a
prática usual entre os pesquisadores consiste em só levar ao
conhecimento público os resultados de experimentos bem-sucedidos. Ou
seja, os que confirmam hipóteses apresentadas, ou que indicam, com dados
verificáveis e novas explicações, a necessidade de reformular as
anteriores. Uma ideia ao mesmo tempo simples, útil e simpática promete
mudar esse estado de coisas.
Uma nova publicação científica, o
"Journal of Errorology", ou "Revista de Errologia", acaba de surgir na
internet. Pretende divulgar os resultados negativos, vale dizer,
experimentos que, por alguma razão, não "deram certo".
Hipóteses
interessantes, mas que o teste da realidade não comprovou, deixariam
assim de ser repetidas inutilmente por outros pesquisadores. Ao mesmo
tempo, experiências que, por alguma falha, não tenham comprovado saberes
consolidados podem ser preciosas, por exemplo, para o aperfeiçoamento
das técnicas laboratoriais.
O brasileiro Eduardo Fox, editor do
novo periódico, dá um exemplo de sua própria prática. Queria investigar
se, suprimindo a função de determinado gene, uma abelha operária poderia
transformar-se em abelha rainha. O esperado não aconteceu - abrindo
campo para novas hipóteses e, mais do que isso, tornando dispensável que
se investissem tempo e recursos em experiências correlatas.
Como
na colmeia onde a abelha-rainha e as operárias coexistem, também a
ciência, ao lado dos lances individuais de gênio, vive e se aperfeiçoa
pelo trabalho de milhares de pesquisadores que se debatem na rotina
anônima da tentativa e do erro. Dos erros, melhor dizendo - cuja
"contribuição milionária", no dizer do poeta Oswald de Andrade, passa a
ser levada em conta inteligentemente.
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