Com 3,8 milhões de crianças e jovens fora da escola e
padrões de ensino muito ruins, o Brasil terá muita dificuldade para se
manter entre as maiores e mais prósperas economias, diante de
competidores empenhados em investir seriamente em boa educação, ciência e
tecnologia. Para dezenas de milhões de pessoas, o atraso educacional
continuará limitando o acesso a empregos modernos e a padrões de
bem-estar comparáveis com aqueles alcançados há muito tempo nas
sociedades mais desenvolvidas. Mesmo a criação de vagas será
dificultada, porque as empresas perderão espaço - como já vêm perdendo -
para indústrias mais eficientes, mais equipadas com tecnologia e
operadas por pessoal qualificado. Oportunidades de emprego são
oportunidades de bem-estar e de vida melhor para o trabalhador e sua
família.
Más políticas para a educação põem em risco esses valores e ainda
condenam os indivíduos, por seu despreparo, a uma cidadania muito
rudimentar. Não há como evitar pensamentos pessimistas depois de
conhecer o último relatório do movimento Todos pela Educação, divulgado
nessa terça-feira. O relatório confirma, com dados assustadores, as
piores avaliações das políticas educacionais seguidas nos últimos nove
anos - marcadas por prioridades erradas e orientadas por interesses
populistas.
A partir de 2003 o governo federal deu ênfase à criação de faculdades
e à ampliação do acesso ao chamado ensino superior, negligenciando a
formação básica das crianças e jovens e menosprezando a formação
técnica. Só recentemente as autoridades federais passaram a dar atenção
ao ensino profissionalizante.
Por muito tempo ficaram concentradas no alvo errado, enquanto os
maiores problemas estão nos níveis fundamental e médio. A progressão dos
estudantes já se afunila perigosamente antes do acesso às faculdades.
Segundo o relatório, em apenas 35 cidades - 0,6% do total - 50% ou mais
dos estudantes têm conhecimentos matemáticos adequados à sua série. No
caso da língua portuguesa, aqueles 50% ou mais foram encontrados em
apenas 67 municípios.
Criada como entidade não governamental em 2006, a organização Todos
pela Educação definiu metas finais e intermediárias para o período até
2022. Talvez fosse mais apropriado falar de "marcos desejáveis", já que a
fixação de metas deve caber a quem dispõe dos instrumentos e dos
poderes para a formulação de políticas. O confronto dos dados efetivos
com esses marcos - nenhum deles muito ambicioso - permite uma avaliação
dos avanços, em geral muito modestos, da atividade educacional
brasileira. O quadro é constrangedor.
Em 2010, 80% ou mais das crianças no final do terceiro ano
fundamental deveriam dominar a leitura, a escrita e as operações
matemáticas básicas. No caso da escrita, 53,3% alcançaram o padrão
desejado. No da leitura, 56,1%. No da matemática, 42,8%.
As porcentagens melhoram, em algumas séries mais altas, mas, em
contrapartida, há um sensível afunilamento. Só 50% dos jovens com até 19
anos concluem o ensino médio. Destes, apenas 11% aprenderam o mínimo
previsto de matemática. Não tem muito sentido prático alargar as portas
de acesso às faculdades, como fez o governo durante vários anos, quando
poucos estão preparados para enfrentar um bom ensino universitário.
Não há, neste momento, grandes perspectivas de melhora. Porque a
legislação do ensino médio continua desastrosa, como deixaram bem claro,
em artigo publicado no Estado de ontem, os especialistas João Batista
A. Oliveira, Simon Schwartzman e Cláudio de Moura Castro, analisando a
Resolução 2 do Conselho Nacional de Ensino, publicada em 30/1/2012, que
"alarga o fosso que existe entre as elites brasileiras e o mundo das
pessoas que dependem de suas decisões".
Além disso, a vertente profissionalizante do ensino médio é oferecida
não como alternativa real, mas como um caminho mais trabalhoso, com
adição de 800 horas ao currículo. Diante desse quadro, as inovações
propostas pelo governo - como a distribuição de tablets aos professores -
parecem piadas de mau gosto. Engenhocas podem ser muito úteis, mas
nenhuma pode produzir o milagre de tornar eficiente um sistema
fundamentalmente mal concebido e orientado.
Fonte: O Estado de S.Paulo, Publicação do Dia 10 de fevereiro de 2012.
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